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Ditadura da Nicarágua censura imprensa, persegue a Igreja e vira arma de Bolsonaro nas eleições brasileiras
A ditadura de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, está cada vez mais intensa. O líder, que governa o país desde 2007 — ele foi reeleito em 2011, 2016 e 2021, mas já tinha passagem no cargo em 1979 e 1990 —, tem expulsado diplomatas, censurado a imprensa e cometido perseguição política e religiosa contra seus opositores. No final de setembro, Ortega suspendeu as transmissões do canal de notícias americano CNN en Español, alegando que seu conteúdo “viola” os princípios constitucionais de respeito à soberania nacional. “Tendo verificado que o conteúdo transmitido pelo canal CNN en Español através da rede de televisão por assinatura transfere, viola e lesa as normas legais” do país, foi ordenada “a retirada imediata desse canal da grade de canais autorizados”, explicou a vice-presidente e primeira-dama, Rosario Murillo, à mídia oficial. Só neste ano, mais de 30 meios de comunicação foram fechados, segundo a Vozes do Sul, organização latino-americana de defesa da liberdade de imprensa. Entre os meios de comunicação fechados estão o canal de televisão da Conferência Episcopal e pelo menos sete meios católicos fechados pela Telcor, em um ambiente de tensões existentes entre a Igreja Católica e o governo Ortega. Ele acusa a oposição e os bispos de apoiar em 2018 os protestos que eclodiram contra seu governo, que o mandatário atribui a um golpe de Estado fracassado promovido pelos Estados Unidos.
Em um momento de relações tensas de seu governo com a instituição religiosa, Ortega classifica a Igreja Católica como uma “ditadura perfeita” por não permitir que a maioria dos católicos escolha o Papa e o restante de suas autoridades. “Na Igreja Católica, tudo é imposto, é uma ditadura perfeita, é uma tirania perfeita. Quem elege os padres, quem elege os bispos, quem elege o papa, os cardeais, quantos votos, quem vota?”, questionou o presidente que classifica os bispos e os padres como “assassinos” e “golpistas” e censurou os religiosos por terem apoiado a proposta da oposição de reduzir seu mandato, quando atuaram como mediadores de um diálogo que buscava uma solução para a crise. O especialista em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Amâncio Jorge de Oliveira explica que os problemas da Nicarágua com a Igreja acontece desde o final da década de 70, pois a instituição “sempre pregou uma voz crítica em relação ao governo”. Porém, a relação piorou nos últimos tempos porque “o regime não tolera opositores e a igreja é um opositor sistemático e tradicional do regime nicaraguense”, acrescentou.
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Os conflitos religiosos e a expulsão de diplomatas do país, aprofunda o isolamento da Nicarágua da comunidade internacional. Ortega, que retirou seu representante Organização dos Estados Americanos (OEA), expulsou a embaixadora da União Europeia (UE), rompeu relações diplomáticas com a Holanda e rejeitou a presença do novo embaixador nomeado pelos Estados Unidos. A embaixadora da UE na Nicarágua, Bettina Muscheidt, foi considerada como persona non grata pelo governo Ortega e deixou o país no dia primeiro de outubro. O governo não se pronunciou oficialmente sobre a expulsão de Muscheidt, porém sua saída ocorre em meio a fortes questionamentos de Ortega contra a UE, que pediu reiteradamente o fim da repressão a opositores e aplicou sanções contra dezenas de funcionários, pessoas próximas e familiares do presidente, e coincide com a forte investida do governo contra a OEA, a ONU, os Estados Unidos, o Vaticano e países que têm questionado o quarto mandato consecutivo de Ortega, com seus adversários presos ou exilados. A Nicarágua classifica as sanções como criminosas. “É hora de seguir rechaçando os bloqueios criminosos, as agressões, sanções ilegais, arbitrárias, ilícitas, que evidenciam a perversão de um sistema e um modelo imperialista e capitalista que se mantém e pretende continuar castigando e sangrando o mundo”, questionou o chanceler nicaraguense Denis Moncada, em discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O cientista político Amâncio Jorge de Oliveira, explica que os atuais problemas da Nicarágua se desencadearam nas últimas eleições, porém, alerta que seu “quadro é muito mais complexo do ponto de vista de democracia por conta de um conjunto de elementos” que faz com que o mandato de Ortega “seja considerado um regime ilegítimo”. Ele também lembra que “Ortega já rompeu o relacionamento externo e tema ideia de que eles são inimigos. Portanto, quando o chefe de Estado fala em intervenção, já sinaliza que jogo diplomático para ele não é relevante”.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, caminham para o controle quase total da vida dos nicaraguenses mediante a repressão de qualquer voz dissidente, inclusive na Igreja Católica. A acumulação de poder do casal presidencial vem sendo gestada desde o seu retorno à Presidência em 2007, após mudanças na Constituição em 2011 e 2014, explicou à agência de notícias AFP a socióloga Elvira Cuadra, exilada na Costa Rica. Ortega e Murillo “estão fechando o país, anulando as vozes críticas, é um estado de situação que corresponde a uma condição de fraqueza, eles só têm apoio na força policial”, opinou Cuadra, para quem essa debilidade deve-se à falta de “legitimidade” de Ortega. A nicaraguense já parabenizou Bolsonaro por sua conduta. Em entrevista à Crusoé, ela declarou que o presidente foi o único, até o momento, que e manifestou contra os ataques da ditadura de Daniel Ortega (foto) aos membros da Igreja Católica no país. Ela também declarou que esse assunto não é imposto porque na América Altina há “uma maioria de governos que se denominam progressistas. Eles estão adotando uma posição bastante cautelosa”.
Amâncio fala que “ditadores nunca permitem alternância de poder. A cada momento você muda a constituição para concentrar poder” e isso faz com que fique “mais difícil você sair desse looping de autoritarismo, porque a competição pressupõe a isonomia e pressupõe você respeitar os opositores”, o que não acontece na Nicarágua. “Quando você marginaliza os opositores sempre usando qualquer argumento, você distorce a competição”, explica o cientista político acrescentando que Ortega não dá sinais “que vai permitir a alternância de poder, até porque se permitir, será julgado. Então é um ciclo complexo e há desgastes internos”. Ele pontua que uma forma de acabar com essa ditadura na região é o que a OEA está fazendo, uma pressão internacional, porém, esse geralmente é um componente fraco, porque “você tem os apoiadores de um lado e os opositores internacionais do outros. Então, assim, é um jogo de interesse que não é fácil operar”. Amâncio também fala que hoje, o comportamento da Nicarágua já é de um Estado Pária – um Estado que não segue as normas internacionais definidas pela comunica de internacional ou por um país considerado grande potência. “Quando você tem uma denúncia da OEA, é um sinal muito forte de Estado Pária, com coalizões muito consolidadas contra ela”, fala o cientista político. Então, a “Nicarágua já opera uma espécie de autarquia, fechamento do seu regime e de seu sistema e tendo alianças muito restritas”.
Nicarágua nas eleições brasileiras
A forma de governo de Ortega tem sido uma pauta recorrente de Jair Bolsonaro (PL), candidato a reeleição, durante sua campanha política. O chefe de Estado brasileiro prometeu asilo a padres nicaraguenses durante seu discurso na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, realizada no começo de setembro. Bolsonaro compara a situação da Nicarágua com um possível cenário brasileiro caso seu adversário, Luis Inácio Lula da Silva (PT), vença as eleições. Após o resultado do primeiro turno, Ortega enviou uma mensagem de apoio para o ex-presidente. “Parabenizamos você e o Brasil, nos congratulamos sabendo que o mundo pertence a quem luta e que estamos realizando as transformações necessárias, com coragem diária”, escreveu o ditador e sua esposa. O especialista em ciência política, Amâncio Jorge de Oliveira, pontua que o atual cenário de relação entre o Brasil e Nicarágua é desgastante e os recentes acontecimentos ampliam a narrativa de Bolsonaro ao risco de perseguição religiosa no Brasil caso o PT vença a eleição. “Isso forma o quadro da narrativa crítica ao risco de regime socialista”, diz Oliveira, lembrando que o presidente faz associação com outras regiões da América Latina, governadas pela esquerda, que enfrentam dificuldades, como: Venezuela, Cuba e mais recentemente a Argentina com seu desastre econômico.
*Fonte: Jovem Pan
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